quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ode To My Family (and to myself too)

Estranheza. Foi isso que também hoje eu senti. Principalmente da minha parte. Quem eu sou, quem eu fui, o quem serei depois.
Tal como é hábito desde que me lembro, o dia de hoje, o de Todos os Santos, costuma ser passado em família, na terra da minha avó. Reunimo-nos com uns quantos parentes e passamos o dia, ou pelo menos a tarde e início da noite, juntos, a comer e a conviver, conversar, trocar opiniões, etc. Hoje senti-me um estranho entre a minha família, naquela terra que tanto adoro e me transmite paz, alegria, descanso, o meu imaginário de criança e adolescente feliz e sem problemas.
Nos 2 ou 3 últimos anos afastei-me bastante daquela parte da minha família, daquela terra. Porquê? Em certa medida porque tinha alguém que infelizmente me levou a esquecer que a minha família existe e que os amo. Hoje reconheço esse meu erro terrível e que espero não voltar a cometer, o de os ter negligenciado. Uma outra razão, admito foram os meus receios. O facto de ser gay não ajuda em nada. Infelizmente o meu primo que faleceu era bastante homofóbico, do género de dizer que todos os gays deveriam morrer ou serem tratados da sua doença, etc. Por causa disso talvez, os filhos em certa medida pensam do mesmo modo. Talvez também por isso me afastei deles, com receio de que se soubessem a verdade, me tratassem de outro modo e me ferissem.
Mas continuando o dia de hoje. Voltar àquela minha espécie de ambiente protector foi óptimo para recordar uma série de coisas e reflectir quem eu sou.
Mas encontrei infelizmente coisas bem diferentes, coisas que me fizeram confusão, coisas que me levaram a sentir arrependimento de me ter ausentado, afastado. Que me deixaram uma tristeza profunda.
Entre outras coisas, e isto antes de ter lá chegado hoje, a minha avó contou-me uma coisa que me deixou de rastos. Há umas semanas quando lá esteve com os meus pais, o meu primo perguntou à minha avó: "Tia, ele já não gosta mais de nós, pois não? Não nos vem visitar, saber como estamos, saber de nós." Imaginem como fiquei quando me contaram isto. Se uma declaração daquelas nos faria sentir muito mal, mesmo dita por uma criança, imaginem por um adulto de 29 anos. Um primo, que tal como o irmão dele, eramos unha com carne durante anos, Verão após Verão. Seria tão fácil se eu te pudesse dizer: "Não querido primo, ausentei-me e perdoem-me em parte se vos negligenciei, mas não devia tê-lo feito só porque amava alguém, que era a minha prioridade. Perdoem-me. E desculpem-me se pouco ou nada disse sobre isso, mas para o bem e para o mal, sou gay e tenho receio que por ser quem sou, não gostem mais de mim". Mas não o disse.
Entretanto quando estive com eles, eles trataram-me como sempre, como se nunca me tivesse ausentado, de braços abertos, etc. Talvez por isso me senti constrangido, porque ao que parece ainda gostam muito de mim.
Em certa medida, a minha pobre prima chorou quando me viu. Fiz-lhe lembrar o marido que faleceu recentemente. Isto porque hoje eu tinha vestido um colete preto, e ele usava imensos coletes daquele género. Pobre prima que tanto apoio te quis dar quando mais precisaste de mim, aquando do falecimento do primo. Desculpa-me se não te apoiei, mas a minha presença ainda seria pior. Eu estava de rastos, viste-me a chorar no funeral, não só porque vi partir alguém que gostava imenso, uma éspecie de pai, tal como tu sempre foste uma espécie de mãe, mas também porque estava ferido e magoado de uma relação de dois anos da qual tinha saído. Perdoa-me.
Durante a tarde de hoje, outra estranheza que senti foi essa mesma. A ausência do meu primo que morreu. Era um dos pilares daquela casa e vê-lo apenas em fotografias espalhadas pela casa, mexeu muito comigo cá dentro.
Outra coisa curiosa e estranha foi ter conhecido o novo gato dos meus primos, o Gaspar. Já naquela casa há 10 meses e eu não o conhecia pessoalmente. Imaginem assim infelizmente as vezes que não tenho ido ultimamente aquela casa. Também conheci a chinchila fêmea dos meus primos, que ao que parece, é capaz de vir a ter uma ninhada do Zen, o chinchila macho (esse já o conhecia), tal está a barriga da moçita. Mas o que mais me chocou e deitou abaixo foi ver o pobre Bife, tadinho. O cão dos meus primos. Já há uns aninhos que ele estava a ficar com uns pêlos brancos, ele que sempre foi castanho. Hoje deparei-me com um cão idêntico ao Bife de antes, mas os pêlos castanhos eram quase inexistentes, no meio de tantos brancos. Fisicamente continua bem tratado, mas apercebi-me pelo seu olhar e depois tive confirmação do meu primo mais novo, que ele está quase cego. Pelas minhas contas deve ter uns 16 anos e quase já não tem vigor. Se antes era vê-lo sempre a querer brincar, aos saltos, livre por vezes na fazenda quando o levavamos a passear e a correr atrás dos coelhos e lebres, mas sem nunca os apanhar de desastrado que era, hoje lá veio ter comigo apenas a abanar a cauda de contente enquanto lhe dei umas festas. Também ele sempre me adorou e vê-lo assim acabado, sem quase ter acompanhado este envelhecimento dele nos últimos anos, deixou-me novamente com a semblante triste, pesada.
Apesar de tudo, a tarde teve uma parte positiva para mim, porque me levou a acordar para uma parte da minha vida, da minha família que deixei, mas que quero retomar.
Nas despedidas o meu primo lá me disse "então até para o ano". Fiquei um pouco sem reacção, mas respondi que não, que voltaria em breve. E espero mesmo fazê-lo e com bastante mais frequência. Só não sei ainda bem como lidar como a minha situação, se contar ou não contar, se omitir, enfim, logo se verá.


(The Cranberries)
Understand the things I say, don't turn away from me,
'Cause I've spent half my life out there, you wouldn't disagree.
Do you see me? Do you see? Do you like me?
Do you like me standing there? Do you notice?
Do you know? Do you see me? Do you see me?
Does anyone care?

Unhappiness where's when I was young,
And we didn't give a damn,
'Cause we were raised,
To see life as fun and take it if we can.
My mother, my mother,
She hold me, she hold me, when I was out there.
My father, my father,
He liked me, oh, he liked me. Does anyone care?

Understand what I've become, it wasn't my design.
And people ev'rywhere think, something better than I am.
But I miss you, I miss, 'cause I liked it,
'Cause I liked it, when I was out there. Do you know this?
Do you know you did not find me. You did not find.
Does anyone care?

Unhappiness where's when I was young,
And we didn't give a damn,
'Cause we were raised,
To see life as fun and take it if we can.
My mother, my mother,
She hold me, she hold me, when I was out there.
My father, my father,
He liked me, oh, he liked me.

Does anyone care?

4 comentários:

Hydrargirum disse...

Es um bom rapaz, tens boas intencoes e um coracao grande, ja percebi...

Uma pessoa qd se apaixona fica meio desnorteada e as prioridades mudam, mas nao pq se deixasse de amar as pessoas que ja la estavam mas pq....a pessoa anda "em estado de alma" e distraida...

Fiquei triste com o que li.

paulo disse...

Sabes, eu nem estou muito com as minhas irmãs e irmãos e sinto que me afasto porque me é difícil ir sem o Zé, e sem o poder levar como o meu homem, o de todas as horas e não só o colega, ou amigo, que é como o vêem. Nunca me afastei muito, mas é doloroso. Revelar ainda pode ser mais doloroso! Por isso não conto e hoje acho que percebi em A Outra Margem que se calhar é melhor não contar para não fazer sofrer (e não sofrermos nós também). Se não for importante, o melhor é continuar tudo na mesma.
Outra coisa: há dias deparei-me com um texto antigo, do tempo em que me assumi a mim mesmo. Falava de uma ida lá à minha aldeia, e referia-me a como me sentia estranho e estrangeiro naquela terra que eu sei que não me receberia da mesma forma se tudo fosse claro. Nunca mais voltei a sentir aquela como a minha terra, o que me leva lá, neste momento, é só a minha mãe.
É preciso saberes gerir as coisas! Usa a tua diplomacia, intuição e magnetismo. Também não me esqueço que se as pessoas gostarem mesmo de ti não vão ligar ao facto de seres ou não gay.
Um grande abraço

Graduated Fool disse...

Já falámos sobre isto, remember?
Não tens de te sentir mal, nada mesmo. Mas entendo. Sabes que já passei pelo mesmo e ainda hoje, quando me lembro de algumas coisas, sofro, dá aquele apertozinho no peito. O ter posto um pouco de lado, ou até mesmo muito, algumas pessoas importantes para mim em toda a vida, por causa de um gajo que não merecia. Enfim...
Mas concordo com o hydrargirum. É isso mesmo. É assim que temos de pensar, de ver as coisas.
Na altura fizémos o que achámos melhor e isso tem algum valor.

Anónimo disse...

Bem, tudo isto poderia dar uma grande dissertação, porque esta tua situação é similar a tantas outras e efectivamente percebo tudo o que te pode angustiar, mas aqui, desculpa dizer-te desta forma, temos mesmo de ser um pouco mais pragmáticos. E como tal, a atitude certa, para limpar mal entendidos é dizeres tudo o que te vai na alma, falares de ti e explicares quem és e que por essa razão e temeres rejeição, te afastaste relativamente. A verdade é que eles não são mais importantes para ti, do que, pelo que me pareceu, tu serás para eles. Se de facto eles gostarem de ti, isso é perfeitamente irrelevante ... nada de arranajr problemas, podendo estes não ter mesmo lugar, certo?!

em absoluto.