Um som pesado e abafado ouve-se ao longe e de repente algo estranho surge-lhe na sua frente. Parecia-lhe um insecto, mas com o dobro, talvez o triplo do tamanho normal de um insecto daquela espécie. Num primeiro momento assustou-se, mas rapidamente essa sensação deu lugar à curiosidade. Olhou, olhou e conclui que se tratava de um grilo.
- Há que tempos não via um grilo. Antes era tão comum. Coisas dos homens, quando estragam os habitats e o meio ambiente. Mas és tão grande! E engraçado também.
- Tu também me pareces engraçado, rapaz.
- Desculpa? Estarei a beter bem? Tu falas?
- Sim, mas não te assustes, por favor. Sei que pode não parecer normal, mas há uns anos foi-me dada esta capacidade.
- Foi-te dada? Como assim? Explicas-me como pode isso acontecer?
- Sim, claro! Alguém com um poder superior apareceu-me e questionou-me que capacidade gostaria eu de ter. Depois de uma grande indecisão e reflexão, decidi-me pela da fala. Julgo que fiz bem. Com ela tenho podido falar e ajudar outros. Acho que foi a escolha mais acertada que fiz. Faz-me feliz e faço feliz também os outros.
- Bem, grande sorte. O que eu não daria para ter uma oportunidade assim.
- A sério? Mas já pensaste em algo assim.
- Claro. Já me passou tanta coisa pela cabeça.
- Mas sabes que coisas assim acarretam responsabilidades, certo?
- Sim, nisso tens razão.
- Mas que capacidade gostarias tu de ter?
- Pois o pior é que são muitas.
- Pois, mas imagina que tens uma oportunidade como a minha, na qual apenas poderias escolher somente uma. Uma única.
- Huuumm... Pois vendo as coisas dessa maneira, é bem mais difícil. O ter que escolher só uma.
- Não se pode ter tudo não é? Mas se quiseres, conta-me esse rol. Quem sabe eu não te possa ajudar com isso.
- Ok! Deixa ver... Assim de repente já me imaginava a ter assim um poder tipo os dos X-men ou assim. Conheces-os?
- Sim, sim. Mas que poder?
- Não sei. Ah, ser invisível por exemplo. Às vezes dava jeito.
- Dava jeito? Ao menos que escolhesses um poder que te fosse útil e não só porque dá jeito. E ser invisível, enfim, às vezes é mau. Já viste as vezes que por vezes somos invisíveis aos olhos de muitos, e mesmo sem esse poder, quanto mais com ele.
- Pois é, tens razão... Então já sei, gostava de prever o futuro. Assim teria a possibilidade de prever e poder ajudar as pessoas que no futuro precisassem de uma mãozinha.
- É um poder interessante, não haja dúvida. Se usado correctamente e não em benefício próprio. Mas pensa comigo numa coisa. Assim, por exemplo, passarias a saber quando pessoas próximas a ti iriam morrer, bem como tu. Não achas que isso iria condicionar parte da tua vida e viveres a pensar nisso até morreres? Ou seja, não achas que te iria criar uma fixação doentia?
- É bem provável. Não tinha pensado nisso.
- Pois, convém poderar bem, porque há sempre os prós e os contras.
- Então gostava de voar. Além de certeza ser uma sensação óptima, com esse poder poderia fazer coisas para meu proveito e para proveito dos outros.
- Sim, não seria mau, mas não achas que seria também um pouco de exibicionismo a mais?
- Julgo que não, não sei. Se calhar até depois me tornava conhecido e a fama subia-me à cabeça.
- Estás a ver, como afinal pensas.
- Hummm, por falar em pensar e que tal telepatia? Não só como forma de comunicar, mas também ajudar outros com problemas que eles possam ter a nível psicológico.
- Sem dúvida um poder interessante. Iria permitir-te muita coisa, mas também invadirias a privacidade de toda a gente, parece-te bem? E ficavas até a saber segredos íntimos e inconfessáveis. Não sei se seria justo. E a par disso, se fores um bom observador, aos poucos vai retirando a informação sobre alguém e se este tem problemas e como o ajudar. Não precisas da telepatia para isso.
- Bem, isto está complicado.... Deixa-me pensar, deixa-me pensar. Um poder que fosse para o bem comum e em simultaneamente discreto.... Deixa ver... Já sei. Gostaria de ter a capacidade de curar.
- Capacidade de curar? Mas para isso já existem os médicos. Se bem que estes não têm cura para tudo.
- Sim, mas não era esse curar a que me referia. Capacidade de curar dores e feridas da alma, do peito, do coração. Isto sem ser notado, claro. Seria algo que me faria feliz por ajudar e faria outros felizes por ficarem curados dessas maleitas.
- De facto seria um bom poder, essa capacidade. É uma boa escolha.
- É, não é. Já me decidi, é mesmo essa que quero ter. Ao simples toque, e alguém seria novamente feliz. Mas pronto, agora tenho que esperar que um dia possa vir a ter uma oportunidade como a tua.
- Sim, mas pode ser que também tenhas sorte. E até lá?
- Até lá o quê? Não percebi.
- Até lá podes começar a fazer isso que pretendes, tentar ajudar os outros a sarar as suas feridas emocionais.
- Estás me a baralhar todo. Eu disse que gostaria de ter esse poder, mas não tenho.
- Não tens? Tens sim.
- Tenho? Como assim?
- Enquanto a maneira mais fácil não vem, enquanto a capacidade que escolheste não te é concedida, usa outra capacidade tua para o fazer.
- Capacidade? Mas qual?
- A tal que a mim me foi concedida. A da fala. Se achares que alguém tem problemas e precisa ser ajudado, fala com essa pessoa e escuta também, obviamente. Vais ver que essa tua capacidade pode mudar o rumo através de conselhos, palavras de incentivo.
- Sim, é uma alternativa a considerar.
- Claro que é. Não foi também a conversar, a comunicar, que te ajudei?
- Sim, obrigado.
- Pensa nisso, rapaz.
Um som irritante ouve-se ao longe, cada vez torna-se mais intenso. De repente já é dia e o despertador está a tocar.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
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3 comentários:
Nós temos o melhor de todos os poderes e muitas vezes não lhe damos valor. Temos o poder de controlar o nosso próprio destino e de fazer as nossas próprias decisões... Temos que usá-lo com sabedoria, mas usá-lo pois é um poder bom demais para deixar de lado. Abraços
Tem graça que li o outro post 1ro...onde falei em ser invisível...e quando scrolled down, li neste post o mesmo....curioso!!!
Achei especial graça...qd indagas o Grilo com:
"Desculpa? Estarei a bater bem? Tu falas?"
Não estava à espera de tamanha interjeição...
Belo texto!....mas posso perguntar algo?...O Grilo, para escolher o poder da fala, pressupõe, que saiba pensar...certo?
Certíssimo, Hydrargirum. Ele já teria a capacidade de pensar, do entendimento, da razão, quiçá, tal como o grilo falante do pinóquio, uma espécie de consciência personificada da personagem desta história.
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